O verde mais bonito que se vê em Minas, o mar de pés de café, fileiras quase sem fim de alinhamento de beleza e frescor que enchem os olhos, o pulmão e a alma.
Cenário da corrida de hoje cedo. O percurso entre morros no caminho da vila São Tomé.
Passando pelo morrão próximo de Alfenas, faço questão de percorrer as aleias, estreitas e verdejantes, são propriedades abertas e ali posso correr e conversar com os pés de café.
São quietos. Arbustos pomposos carregados de grãos verdes. Em plena granação podiam ser vistos alguns grãos vermelhos em alguns pés.
Passo por eles puxando conversa. São reservados como eu. Porém eles parados e eu correndo. De certo estão ouvindo minha respiração, meus batimentos cardíacos, nesses morros vão a 160, 170… Eles continuam quietos. Mas consigo ouvir um ou outro. São serenos, falam manso e pausadamente, me acalmam. Me falam de Deus, e como estão felizes por estarem produzindo, crescendo e recebendo Sol e chuva em fartura. Somos interrompidos nessa conversa pelo mugidos que vem do pasto do outro lado da estradinha de terra. Um vaqueiro tocando o gado com seus cachorros. Mas, me concentrando na conversa de pé de ouvido, ou melhor, de pé de café, noto que os tímidos e envergonhados grãos vermelhos querem falar, como que demonstrar algo sobre a despedida pois já estão mais próximos de serem colhidos, são temporões, e estão meio ansiosos. Mas procuro acalmá-los, na vida é assim, às vezes somos consolados, mas às vezes precisamos falar algo a quem quer ouvir. Ou só ouvir alguém que precisa falar.
Vou saindo do cafezal, já vai meia hora suando ali no bem úmido e meio difícil chão de correr, solo irregular.
Voltando para a terra, a estrada sobe e desce muitas vezes e vou me aproximando do morro de novo, dessa vez subindo até o topo para ver mais uma vez a paisagem deslumbrante da vista de 360 graus que de lá se descortina. Meus BPM passam de 180 até bater lá em cima. Paro, respiro profundamente, varrendo com o olhar cada ângulo daquela atmosfera que me parece santa e muito próxima de Deus. Além de Alfenas, dá para ver mais umas pequenas cidades num raio de uns 50 km ou mais de visibilidade, com o céu limpo e azul de pano de fundo. E como de costume quando estou aqui em cima canto o hino dos aprendizes do Evangelho: “Pai celeste, criador, fonte eterna de bondade, auxilia-nos Senhor , a conquistar a verdade; abençoa o nosso esforço para o Teu reino atingir, dai-nos Pai a luz que aclara, os caminhos do porvir. És a glória deste mundo, és a paz e a esperança, és a luz que não se apaga , és o amor que não se cansa, dai-nos força para sermos os arautos do Teu amor, testemunhos derradeiros do Evangelho redentor”.
Rezo também o que minha esposa me ensinou: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina sempre me rege, guarda, governa e ilumina. Meu bom amigo Jesus, filho de José e Maria, me acompanha nesse treino e também por todo o dia”. Amém!
E rezo ainda um Pai Nosso de profundo agradecimento, e me despeço do morrão, descendo num trote cuidadoso, que meus 62 anos me obrigam a zelar pelas minhas juntas, especialmente joelhos.
Cruzo um grupo de apanhadores de café, que estão só cuidando dos temporões e na lida de manutenção, paro um pouquinho e converso com um deles para aprender um pouco sobre as flores do café.
Já deu mais de uma hora de treino e agora devo buscar alguma hidratação. No terminal rodoviário tem um bebedouro geladinho onde me esbaldo de beber água e banho o rosto para limpar o suor que já me queima os olhos.
Saio sempre animado com esse pequeno banho e dali mais um pouco tem uma saída no subidão para a subestação da Cemig. Tem um canteiro central com dez flamboyants adultos. No pé de cada um tinha uma plaqueta com os dizeres de dez virtudes do ser humano. Para minha tristeza, ao longo dos anos que faço esse percurso, fui vendo as virtudes humanas, ops quer dizer, as plaquinhas sumirem, uma a uma. Hoje só restou um pedaçinho de uma delas, da Perseverança, que era a que ficava bem na curva para retornar. Algo assim que me lembro “A perseverança é o caminho capaz de transformar o trabalho em sucesso”.
Não consigo entender a capacidade de quem tenha destruído as placas.
Já estou de volta à cidade e ainda dou uma volta de uns 3 km para retornar pela avenida e descer de volta pela rua da minha sogra.
Ponto final. 15 km, muito suor e uma velha e amiga sensação de bem estar provocada pelos hormônios da corrida. E que eu possa voltar muitas vezes aos muitos cafezais para conversar com Deus, Quem nos concede a graça de viver.